Os Movimentos Gasosos

Dos enunciados conjuntos das leis de Henry e de Dalton e da noção de saturação abordados no curso CMAS Two Star Diver, ficou bem claro que, quando aumenta a pressão a que está sujeita uma mistura gasosa em contacto com um líquido, os gases seus constituintes começam a dissolver-se no líquido, atingindo cada um deles um valor de pressão parcial máximo ao ser encontrado um novo estado de saturação. O fenómeno inverso observa-se ao reduzir a pressão para o seu valor inicial.

Também se falou no coeficiente de solubilidade de um gás em um líquido, do qual está dependente a maior ou menor quantidade de gás que um líquido pode dissolver para a mesma variação de pressão.

COEFICIENTE DE SOLUBILIDADE

COEFICIENTE DE SOLUBILIDADE DEFINE-SE COMO A MAIOR OU MENOR FACILIDADE QUE UM DETERMINADO GÁS TEM PARA SE DISSOLVER NUM DETERMINADO LÍQUIDO

Finalmente, as noções de tensão e de inércia gasosa permitem afirmar que o novo estado de saturação não é atingido simultaneamente com o novo valor de pressão. Estudos relacionados com este fenómeno permitiram concluir que esta dissolução se efetua segundo uma expressão matemática exponencial negativa, isto é:

APÓS O AUMENTO DA PRESSÃO, QUANTO MAIS NOS APROXIMAMOS DO NOVO ESTADO DE SATURAÇÃO, MAIS LENTA SE TORNA A DISSOLUÇÃO DO GÁS NO SEIO DO LÍQUIDO

O inverso também é verdadeiro: após a diminuição da pressão, quanto mais nos aproximamos do novo estado de saturação, mais lenta se torna a libertação do gás do interior do líquido.

Suponhamos que um gás se encontra em contacto com um líquido submetido à pressão de 1bar (P1). Nestas condições, o líquido encontra-se saturado (não pode dissolver mais gás) e a tensão do gás dissolvido é igual à pressão exterior (P1).

Se em determinado momento a pressão for aumentada para o valor de 2bar (P2), o líquido fica em condições de dissolver mais gás. Essa dissolução irá ser feita gradualmente ao longo do tempo, até o gás atingir uma tensão igual ao novo valor de pressão exterior (P2). Neste momento o diferencial da tensão do gás dissolvido é representado pela expressão:

∆p = P2 – P1

Como foi referido, este valor não aumenta instantaneamente mas sim em valores percentuais, obtidos em função do tempo (t) que decorre desde o aumento da pressão, e de um valor (h) em minutos (período), que caracteriza o conjunto gás/líquido, denominado tecido. Esse valor percentual é dado pela expressão:

% = 1 – 0,5 t/h

Reunindo as duas expressões, podemos em qualquer momento saber qual é o aumento percentual da tensão do gás a dissolver-se (por outras palavras, qual a quantidade de gás dissolvido), desde que a pressão foi aumentada. Teremos assim, no instante t1, o valor:

∆p1 = (P2 – P1) * (1 – 0,5 t1/h)

EXEMPLO 1

Se este tempo (t1) for igual ao valor (h) característico do tecido (período), o quociente de t1/h será a unidade e o resultado da expressão 1 –0,5t/h será 1 – 0,5 = 0,5. Podemos então dizer que, no fim do 1º período, a percentagem do gás dissolvido é de 50% em relação ao que é possível dissolver, estando ainda outros 50% por dissolver. A tensão do gás dissolvido será então:

p1 = P1 + ∆p1 ou p1 = 0,8 + (0,8 * 0,5) = 1,2bar


A relação inequívoca entre um determinado gás e um determinado líquido, a que foi dada, como atrás referimos, a designação de tecido, é definida em função do seu período h em minutos que é o tempo que o líquido demora atingir a semi saturação (50%) relativamente ao seu novo estado de saturação.

Assim, um tecido de período h = 10min será um conjunto gás/líquido em que o líquido, para um determinado valor de pressão, atinge metade do valor de saturação ao fim de t1 = 10min. Da mesma forma, um tecido de período h = 60min será um conjunto gás/líquido em que o líquido, para um determinado valor de pressão, atinge metade do valor de saturação ao fim de t1 = 60min.

Retomando o processo da dissolução, vejamos o que acontece no fim do segundo período de tempo (t2) igual a 2*h. Substituindo este valor na expressão, teremos:

∆p2 = (P2 – P1)*(1 – 0,52h/h) = (P2 – P1)*(1 – 0,52) de onde, ∆p2 = (P2 – P1)*(1 – 0,25) = (P2 – P1)*0,75

EXEMPLO 2

Podemos então dizer que, no fim do 2º período, a percentagem do gás dissolvido é de 75% em relação ao total de gás que é possível dissolver, estando ainda 25% por dissolver. A tensão do gás dissolvido será então:

p2 = P1 + ∆p2 ou p2 = 0,8 + (0,8 * 0,75) = 1,4 bar


Pelo que podemos constatar, durante o 2º período (t2) o líquido apenas dissolveu 50% (metade) do gás que faltava dissolver.

Façamos mais uma experiência e vejamos o que acontece no fim do 3º período de tempo (t3), igual a 3*h. Substituindo este valor na expressão, teremos:

∆p3 = (P2 – P1)*(1 – 0,53h/h) = (P2 – P1)*(1 – 0,53) de onde, ∆p3 = (P2 – P1)*(1 – 0,125) = (P2 – P1)*0,875

EXEMPLO 3

Podemos então dizer que, no fim do 3º período, a percentagem do gás dissolvido é de 87,5% em relação ao que é possível dissolver, estando ainda 12,5% por dissolver. A tensão do gás dissolvido será então:

p3 = P1 + ∆p3, ou p3 = 0,8 + (0,8 * 0,875) = 1,5 bar


Mais uma vez constatamos que, durante o 3º período (t3), o líquido apenas dissolveu 50% (metade) do gás que faltava dissolver. Na verdade, se continuássemos a observar o comportamento do gás durante os períodos subsequentes, veríamos que a quantidade de gás dissolvida durante cada novo período seria sempre metade da que faltava dissolver e nunca seriam atingidos os 100%. Matematicamente, considera-se que um líquido atinge o seu novo estado de saturação ao fim do 19º período, mas para simplificar o cálculo, porque não é necessária tanta precisão, podemos dar o processo de saturação por concluído no final do 6º período.

Façamos então a última experiência para ver o que acontece no fim do 6º período de tempo (t6) igual a 6*h. Substituindo este valor na expressão, teremos:

∆p6 = (P2 – P1)*(1 – 0,56h/h) = (P2 – P1)*(1 – 0,56) de onde, ∆p6 = (P2 – P1)*(1 – 0,015625) = (P2 – P1)*0,984375

EXEMPLO 4

Podemos então dizer que no fim do 6º período a percentagem do gás dissolvido é de 98,4375% em relação ao que é possível dissolver, estando ainda 1,5625% por dissolver. A tensão do gás dissolvido será então:

p6 = P1 + ∆p6 ou p6 = 0,8 + (0,8 * 0,984375) = 1,5875 bar


EXEMPLO 5

Ao baixar a pressão para o seu valor inicial 1bar (P1), a libertação do gás faz-se de forma inversa, segundo uma curva (a azul) muito idêntica à que se verificou durante a dissolução, sendo neste caso:

p1 = P2 – 0,5 ∆P donde, p1 = 1,6 + (- 0,8 * 0,5) = 1,2bar


É o conhecimento matemático dos movimentos gasosos que nos permite calcular a pressão parcial de azoto dissolvido em cada um dos tecidos orgânicos num dado instante do mergulho. Este cálculo faz-se através da expressão algébrica:

p = Pp + {[(Pa – 0,0628) * 0,79] – Pp} * (1 – e-kt)

Esta expressão já foi referida a titulo de curiosidade no T5 – Tabelas e computadores de mergulho, do curso CMAS Two Star Diver. Nesta expressão, (1 – e-kt) é substituído pela expressão 1 – 0,5t/h atrás referida, sendo o seu valor lido numa tabela, em função do valor do quociente t/h. A expressão algébrica apresenta-se assim:

p = Pp + {[(Pa – 0,0628) * 0,79] – Pp} * (1 – 0,5t/h)

Note-se que a pressão parcial do azoto, respirado a uma determinada profundidade, é igual ao produto da percentagem do azoto respirado pelo diferencial entre a pressão ambiente e a pressão do vapor de água existente nos pulmões. A pressão do vapor de água nos pulmões é de 0,0628bar, à temperatura central de 37ºC, e é constante qualquer que seja a profundidade a que o mergulhador se encontre:

(Pa – 0,0628) * 0,79

O valor k, apresentado na expressão matemática que calcula a tensão de azoto dissolvido num tecido em qualquer momento do mergulho, é k = b * δb / V * δ. Todos os parâmetros contidos nesta expressão estão intimamente ligados à fisiologia do corpo humano.

O fator b está relacionado com o fluxo sanguíneo (irrigação) de determinado órgão (compartimento) e depende de:

  • Actividade física/esforço
  • Estado psicológico do mergulhador
  • Temperatura
  • Vasoconstricção
  • Vasodilatação
  • Tipo de órgão
  • Forma física do mergulhador
  • Perfusão
  • Medicamentos/drogas
  • Estado de debilitação
  • Deficiente eliminação do azoto nas trocas respiratórias (shunt pulmonar)

O fator δb é o coeficiente de solubilidade do azoto no sangue. Este coeficiente de solubilidade depende de: 

  • Temperatura
  • Existência de gordura (lípidos) 
  • Medicamentos/drogas.

O fator V é o volume do tecido/órgão, que depende de:

  • tipo do tecido/órgão
  • vascularização (irrigação sanguínea)
  • razão de difusão
  • barreiras à difusão

Como pudemos observar, a expressão matemática está indissociavelmente ligada à fisiologia do corpo humano, pelo que oferece a fiabilidade que os seus parâmetros lhe conferem, face às possíveis alterações dos seus factores. Obviamente, estas alterações irão reflectir-se no resultado final de um mergulho em que as condições físicas ou emocionais do seu interveniente não se encontrem dentro dos limites considerados. Por isso nunca será demais repetir que o sucesso de um mergulho não depende apenas do cumprimento integral dos parâmetros indicados nas tabelas utilizadas, mas também da análise criteriosa do estado físico e psíquico, o que irá determinar se o indivíduo pode ou não efetuar o mergulho.

Artigos Relacionados